Os Relógios de Blades in the Dark

Olá pessoal! Fazia tempo que não vínhamos aqui postar alguma coisa. A verdade é que nós nunca sumimos, sempre estivemos por aí, discutindo, pensando e falando sobre jogos. Mas se você curte o nosso trampo, fique ligado que iremos voltar a postar com mais regularidade. Em 2019, a Torre do Mago, renova seu compromisso com a produção de conteúdo de qualidade e, principalmente, acessível para todos! Temos alguns projetos já idealizados e estamos precisando de ajuda (para traduzir, editar, revisar ou fazer alguma arte), a real é que toda ajuda é bem vinda, temos muitas ideias, muita coisa legal para fazer mas falta-nos mais braços. Se você está interessado, procura a gente em nossa página do Facebook, seria ótimo contar contigo.

Indo em frente. No ano de 2018 eu tive a oportunidade de jogar Blades In The Dark pela primeira vez, não foi um amor à primeira vista não. Vocês sabem eu venho de jogos Powered by the Apocalypse (PbtA) e eu torci o nariz para um monte de coisas no Blades. Apesar das pessoas que estavam jogando comigo serem muito legais e nosso MJ ter sido o Rocha da Secular (excelente MJ, aliás), eu me senti sendo conduzido numa dança, foi legal mas acabei não aprendendo a dançar. Vocês já passaram por uma situação assim? Engraçado né, jogar um jogo mas no fim das contas não saber direito como ele funciona.

Agora em 2019, graças a muita conversas com Marcos Inki, esse jogo voltou a me interessar. Logo surgiu a oportunidade de ler o livro em português e comecei a dar valor pra esse jogo (estar na nossa língua materna ajuda bastante, né, pessoal). Juntamos um grupo para jogar aqui em casa e comecei a assistir Peaky Blinders (que tem na Netflix). Então, estou apaixonado por esse rapazote chamado Blades In The Dark, ainda não sei se é um amor bandido (há!) mas eu vou em frente com isso.

Bom, o objetivo deste artigo é fazer uma breve reflexão a respeito dos relógios em Blades In The Dark. Contar um pouco sobre as minhas impressões a respeito de seu funcionamento e algumas reflexões que podemos fazer a respeito de sua importância. Eu não tenho por objetivo explicar as regras novamente, pra isso eu recomendo buscar o livro, página 16 da versão brasileira. Caso eu faça alguma citação irei colocar a página no texto pra você poder conferir e entender todo o contexto em que ela foi dita. Esse é o primeiro texto que escrevo sobre Blades e vai nos dar base para tratarmos de outros assuntos no futuro, por isso conto também com suas críticas, peço apenas carinho e respeito, porque esse texto se propõe como um ponta pé inicial para a discussão e elucidação das regras pras pessoas que estão chegando no sistema agora.

Antes de prosseguirmos, eu não quero entrar nessa discussão circular se Blades é ou não é PbtA, afinal é bem provável que até a sua monografia ~ com alguns pequenos ajustes ~ se encaixe no conceito de PbtA do V. Baker. Mas vou deixar minha posição, pra mim Blades é um Powered by the Post-Apocalypse (PbtPA). Este termo não é meu mas cabe muito bem aqui. Blades é um descendente dos jogos PbtA, que dialoga especificamente com esse momento definido na história do RPG, bebendo da mesma fonte que vários outros jogos beberam, e por isso usa termos e conceitos que surgiram e foram refinados pós-Apocalypse World. É isso. Não é minha intenção, mas quem sabe depois, num próximo artigo, posso desenvolver melhor esse raciocínio.

Os relógios

Em Blades os relógios são ferramentas de jogo, instrumentais gerenciados pelo MJ que podem possuir duas formas principalmente:

  • Representam o progresso dos personagens sobre um obstáculo, ou;
  • Representam a aproximação de um perigo ou situação problemática.

O grupo está se esgueirando pela torre da Guarda? Use um relógio

para determinar o nível de prontidão dos Casaca Azuis em

patrulha. As consequências dos sucessos parciais (ou fracassos) das

rolagens avançam o relógio até finalizá-lo, assim soando o alarme. (p.16)

Quanto mais difícil e intrincado o problema ou quanto mais distante a situação perigosa mais segmentos o relógio terá. A proposta é que o relógio avance conforme as ações dos personagens, mais lentamente ou mais rapidamente, mas sempre progredindo em direção às “desgraças iminentes, as coisas horríveis que podem acontecer sem a intervenção dos personagens”. Hey, isso está estranhamente familiar… se você vem de jogos da engine world, assim como eu venho, já deve ter relacionado esses relógios com as Frentes, ferramentas comuns à estes jogos.

Foi assim que eu os compreendi no princípio, os relógios eram como frentes diferentonas usadas durante todo o jogo. Porém, devemos tomar muito cuidado, por mais que Frente se pareçam com relógios (e é legítimo que você crie relações entre uma coisa e outra) suas semelhanças se encerram rapidamente quando entendemos seus propósitos.

A começar que frentes são geralmente feitas para os olhos do MJ, e servem exclusivamente a ele entre os intervalos de um jogo e outro. Frentes tentam marcar o ritmo de uma situação macroscópica ligada a campanha e as aventuras que os personagens estão vivendo. Seu objetivo é esse, gerenciar os problemas e situações complicadas do jogo de forma global. Em Dungeon World, até se separa frentes de campanha de frentes de aventura, por exemplo.

Já os Relógios de Blades representam obstáculos que estão acontecendo no jogo naquele momento. Os segmentos do relógio são as camadas do problema ou situação que precisa ser superado. Todo problema que possui camadas pode se tornar um relógio, por isso são muito mais frequentes e numerosos que as Frentes. Além disso, as informações dos relógios é de domínio público, todos da mesa estão cientes de seu tamanho e de seus avanços. Isso acaba por construir tensão no jogo e a aflição só aumenta conforme os jogadores veem os reloginhos sendo preenchidos. Relógios são ferramentas usadas a todo momento durante o jogo, podendo funcionar tanto para situações macroscópicas, como acompanhar a rotina da chefe do crime Lyssa ou mesmo um projeto de expansão das Docas, e também funciona para situações microscópicas, como o tempo até que os Casacos Azuis cheguem ao pub que está em chamas ou quanto ainda falta para acabarmos com os trombadinhas do beco. Seu objetivo é demarcar um obstáculo e o quanto falta para superá-lo.

A história vem primeiro

Quando eu comecei a entender a diferença entre essas duas coisas ~ relógios e frentes, que se parecem mas não são iguais ~ que eu comecei a dar valor pra esse jogo. Blades trata-se de um jogo narrativo, ou melhor, um jogo orientado pela narrativa, onde a narrativa ficcional chega primeiro e em seguida vem a mecânica. Nessa pegada os relógios combinaram super bem, afinal, conforme a história avança, os relógios vão sendo ajustados para representá-la, e não o contrário. É o faz de contas que adianta os relógios conforme os personagens se movem pelo mundo e se metem em confusões. Isso é doidimais da conta!

Me explica isso melhor? Porque tô interpretando o exato oposto disso: a mecânica que avança o relógio (e que por consequência avança a história ficcional).

Esse entendimento é importante, vou tentar explicar melhor. Primeiramente, o jogador escolhe o que o seu personagem faz na narrativa; daí então, o grupo escolhe uma mecânica apropriada para a situação apresentada pelo MJ; a rolagem dos dados diz o que acontece, narra-se as consequências para o personagem e o mundo à sua volta, por sua vez tais consequências narrativas podem ou não mover o relógio. Em outras palavras, são as consequências na história que movem o relógio, as consequências surgem primeiro e com base nelas o relógio avança ou não. Se as consequências significarem que o relógio deve avançar muito, isso deve ser feito, caso contrário ele não avança ou avance menos.

“O relógio é como o velocímetro de um carro – ele mostra a velocidade do veículo, mas não a determina.” (p.17)

Pegando esta alegoria como exemplo, quem determina a velocidade do veículo são as consequências dentro da história, é o faz de contas que dirá se o carro tá indo rápido ou devagar. Se a consequência diz que o carro está rápido, o velocímetro se ajusta à ela, o velocímetro é o relógio, a consequência ajusta o relógio.

Esta é uma forma engenhosa de garantir que aconteça na história primeiro antes que haja uma alteração mecânica, desta forma os jogadores e o MJ estarão sempre conversando em termos da história e não das mecânicas. O que importa é o que acontece quando os personagens se movimentam pelos telhados da serraria; Quais são as consequências dela sacar sua pistola e apontar para o líder da gangue rival; O que aconteceu quando ele furou o piquete dos grevista da fábrica.

Usando os relógios

Nem toda situação ou obstáculo demanda o uso de um relógio. Eles devem ser usados para representar situações complexas ou que funcionem em camadas, para acompanhar o desenvolvimento de algo de acordo com o tempo. Uma rolagem simples é o suficiente para resolver quaisquer outras situações. (p.16)

Respeitadas as orientações descritas no livro, os relógios podem funcionar para absolutamente tudo. Se existe uma situação que demanda certo comprometimento para solucionar, basta que você escolha o nível de comprometimento necessário para resolver a situação e pronto (mais ou menos segmentos do relógio), como por exemplo uma briga de gangues no meio da rua, você pode definir ser 4 ou 6 segmentos dependendo da dificuldade de acabar com esses malditos ciganos! ~ plaft, foi só para remeter à série Peaky Blinders ~

Se há um risco iminente, como por exemplo do pub em chamas desmoronar, basta criar um relógio que represente o desastre, se ele estiver próximo de acontecer dose o número de segmentos para representar mecanicamente o quão próximo ele está.

Outro grande barato é que o MJ cria o problema mas deixa que os jogadores desenvolvam os métodos para solucioná-lo ou evitá-lo. Essa é uma outra forma engenhosa que garante agência aos jogadores, que tem poder para definir para onde eles querem que a história vá. Deste modo, os obstáculos são criados como desafios e vamos vendo o que acontece conforme os jogadores vão bolando o que seus personagens irão fazer para resolvê-los.

Bom, então é isso, pessoal. Espero que tenha conseguido me posicionar com clareza e que esse texto ajude outras pessoas a entender melhor o jogo, em especial os relógios. Lembrando que este só meu ponto de partida, o recorte que eu dei não se propõe a encerrar o assunto, trata-se das minhas próprias referências e experiências pessoais, que me ajudaram a entender os relógios. Mas e você, o que acha dos relógios de Blades In The Dark? Deixa aí embaixo um comentário, estou ansioso para ouvir o que você tem a dizer,

Abração!